As cores do circo
no Conjunto Palmeiras
Por. Bianca Kethulen & Marcela Benevides
O ambiente é descontraído, e é impossível não se encantar com as crianças andando na perna de pau ou dando saltos em lonas. É assim que o projeto Circo Escola do Conjunto Palmeiras se apresenta para quem chega. Como um local que transborda sorrisos e que traz cor para a vida dos alunos que fazem parte dos 26 anos de história.
As atividades são diversas e o difícil é escolher entre andar na perna de pau ou no monociclo, fazer malabarismo, contorcionismo ou se equilibrar no trapézio. E escolher entre se aperfeiçoar no swing ou no cilindro? Parece impossível decidir. Mas as crianças já estão acostumadas e sabem que podem trocar as atividades a cada seis meses e passar por cada área sem medo de desequilibrar.
Além das práticas circenses, os educadores do Circo Escola conversam sobre temas diversos com as crianças. Eles tentam estimular o debate sobre assuntos que estão na rotina desses jovens, como cultura de paz, violência e drogas.
A coordenadora, Maria Marques, explica que esses alunos estão expostos a várias adversidades, e por isso, a importância de conversar sobre esses temas. “Muitas dessas crianças estão em contato com o tráfico de drogas dentro e fora de casa, além de outras formas de crime”. Esse contexto torna ainda mais difícil entrar na casa das famílias dos jovens, que é parte “essencial” para o desenvolvimento do trabalho.
Maria destaca que a escolha dos temas precisa estar conectada com a realidade dos alunos. “Os debates ocorrem duas vezes por semana no Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculo, e são escolhidos a partir do que é mais atual no contexto social dos jovens”. Ela ainda ressalta que o foco do projeto “não é formar artistas, mas sim cidadãos conscientes dos seus direitos e deveres”.
É entre sorrisos que Maria fala sobre a importância de estimular a evolução das crianças dentro do projeto. “Muitas chegam aqui sem falar nada, e com dois meses estão conversando e brincando”. Esse progresso é fruto da dedicação dos educadores e da participação familiar, que, de acordo com a coordenadora, ainda é pouca.
Maria Marques coordena o circo escola do Conjunto Palmeiras
Foto: Neto Ribeiro
É sobre persistir
Não, a dificuldade não está apenas no contexto social dos jovens ou na ausência dos familiares dentro do projeto. A sala de música tem um ar-condicionado que não funciona direito, e a espuma acústica que cobre as paredes está mofada. Mas é com carinho que Maria apresenta o local e mostra as crianças ensaiando com flautas e violão. “Toquem aquela música bonita”, ela pede com um largo sorriso. A canção é a Hallellujah, e com certa timidez, as crianças fazem um rápido ensaio, e tocam a música com perfeição.
Apesar de todos esses obstáculos, Maria revela sem medo que existem motivos para sorrir e continuar. Ela relembra dos alunos que passaram por ali e hoje estão trabalhando no universo circense. Foram o João, o Osmar e o Leandro. Eles estudam na Escola Técnica de Circo no Rio de Janeiro. Outros estão no Le Cirque, no Beach Park ou em companhias de circo.
Além desses jovens que adotaram o circo para a vida, Maria se enche de orgulho ao falar sobre os educadores do projeto. Dentre os nove instrutores do Circo Escola, metade já foi aluno da instituição. “Ver que eles começaram do zero como essas crianças e hoje são educadores é uma lição de vida. Eles mostram para os novos alunos que eles também podem. É isso que nos faz sorrir”.
A comunidade também compartilha dos frutos que nascem do projeto. Uma vez por mês as crianças se apresentam em um espetáculo circense. “Há muitos jovens que estreiam com um mês no Circo Escola, outros demoram mais, mas varia de cada um”. Além do prazer de ver os meninos brilhando, esse momento traz a oportunidade para que os pais entendam o que é trabalhado dentro do projeto. É com carinho que Maria define o Circo Escola como um lugar lúdico que transborda magia.
Foto: Neto Ribeiro
Ontem aluna, hoje educadora e mãe de alunas no Circo Escola
“Eu vi o Circo chegando e aí já foi aquele auê: mãe me coloca no circo, eu quero aprender as atividades do Circo”. Eliana Sousa começou a trabalhar no Circo Escola do Conjunto Palmeiras há 13 anos. Viu o projeto chegar na comunidade quando ainda andava de calcinha - como ela mesma diz - desde então, continuou como aluna até completar 17 anos. Passou por aulas de arame, atividade de lira, cabelo de aço e corda indiana, mas o seu amor sempre foi fiel ao contorcionismo.
Eliana Sousa viu o circo escola chegar quando criança
Resolveu trabalhar em um circo itinerante e fez o afeto pela vida circense virar trabalho. Entre três a quatro anos, conheceu lugares, viveu boas experiências, assim como vivenciou momentos difíceis para quem deseja ter uma vida profissional no circo. Porém, não era isso que aquecia o coração de Eliana. O anseio dela era ter uma família, ter um lar e, principalmente, ensinar.
Aos 21 anos foi convidada para repassar aos alunos do Circo Escola o que um dia aprendeu no mesmo lugar: a arte da flexibilidade. Atividade da qual, se define como apaixonada e como algo que mais lhe encantou desde criança.
Reconhece o valor do Projeto Circo Escola como algo fundamental e ainda complementa que, se um dia não tivesse conhecido o Circo Escola, a sua vida teria sido difícil, por morar em uma comunidade complicada e com caminhos negativos. “Aqui, não se trabalha apenas atividades circenses, mas prepara a criança e o adolescente para a vida, para que eles possam ter novos horizontes, novas oportunidades na vida”.
Foto: Neto Ribeiro
O trabalho de Eliana vai além da estima. Ao refletir sobre as dificuldades, ela reconhece que trabalhar socialização com crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social é complexo. Pois são jovens que vem de uma estrutura familiar difícil, com mães dependentes químicas, por exemplo.
Um dia já foi aluna, hoje é educadora e mãe de alunas. Eliana diz que as filhas são tão amantes do projeto quanto ela. “Quer deixá-las de castigo? É só passar uma semana sem trazê-las para o Circo Escola. As atividades são lúdicas, descontrativas e tem o envolvimento com outras crianças. A criança que não gostar do Circo Escola, só vai gostar do céu”.
A paixão na fala de Eliana Sousa se reflete no olhar, é impossível não ver o orgulho pelo seu trabalho e ver ex-alunos formados, trabalhando e com uma família construída e não se sentir afetado. “O Circo Escola é vida, esperança e perspectiva”.
Aluna pratica contorcionismo no ar
O Circo Escola pelos olhares de Érica Lemos
Essa é uma história de mudança. Uma mudança de visão, antes, era apenas mais uma apresentação do Circo Escola do Conjunto Palmeiras, que a Érica Lemos iria assistir. No presente, trata-se da importância e da diferença que o projeto realiza na comunidade.
Érica nunca se interessou pelo projeto, até o dia em que decidiu, há três anos, trabalhar como coordenadora no Circo Escola. A visão dela era de que o projeto se resumia apenas às apresentações e depois, quando todos iam embora, era apenas aquilo. Mas tudo mudou! Agora a Érica tenta espalhar e plantar a sementinha da dimensão do que é o projeto no coração de toda a comunidade.
Fala para os pais, para os tios, para toda a família e, sempre que possível, leva novos alunos para o local. Para ela, participar do projeto não significa aprender apenas a arte ou o lúdico, porque as crianças não vão se tornar somente palhaços, elas irão se tornar cidadãos. “Conversamos com os pais e se o rendimento na escola não estiver sendo como o esperado, fazemos um acordo para deixá-los em casa, como uma forma de educar e mostrar que a base de tudo é o estudo”.
Foto: Neto Ribeiro
Érica mudou a sua visão sobre o circo escola após se tornar educadora