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O encantamento da primeira vez...
Por Ana Cláudia Lemos
Um encontro agendado e uma ansiedade sem limite para acabar. Tudo isso para viver algo inédito: a primeira ida ao circo. No dia previsto para todos assistirem o espetáculo ela já amanheceu com um frio na barriga. E passou o dia a imaginar um cenário simples, onde palhaços, bailarinas e tantos outros personagens interagiam com o público, com um forte cheiro de pipoca no ar. Estava inclusive preparada para as tais piadas sem graça que tanto falaram.
Foto: Ana Cláudia Lemos
Uma menina-mulher que aos 20 anos jamais conhecera o circo. Muito já tinha ouvido falar. Falar de bem, falar de mal ... Uma curiosidade grande sempre a acompanhou, mas a oportunidade não vinha.
Morar em Pindoretama, longe da capital, não era o maior impedimento. Alguns circos aportaram em sua cidade. Mas a severidade de seu pai não permitia. “Ele dizia que aquilo não era lugar para mim, pois moça direita não podia ouvir as brincadeiras de duplo sentido que eram comuns”. O tempo foi passando, as prioridades da vida vão dando outra ordem às coisas e a curiosidade pelo circo foi deixada de lado.
Em suas visões mais imediatas, não previra que uma atividade acadêmica pudesse conduzi-la àquele universo. E a menina-mulher ali se divide. De um lado a professora reforça que o circo é uma expressão artística popular, que visa a diversão e o entretenimento. Entender o perfil dos personagens e como é o cotidiano daquelas vidas volantes era a missão. Do outro lado, ainda ecoava a voz de seu pai sobre a impropriedade do lugar. Mas ela iria realizar a atividade, pelo dever como aluna e pelo despertar da curiosidade adormecida.
“Voltei à infância. Redescobri uma Talita que pensava não mais existir. Meu lado infantil voltou. Tive vontade de rir, de chorar, subir no picadeiro, me envolver nas brincadeiras. Por um bom tempo, o mundo desapareceu. Só havia eu e os personagens. Eu e aquele momento”.
Na etapa seguinte teve que absorver com naturalidade que a personagem desta vez seria ela e sua primeira ida ao circo. O motivo de estranheza de muitos passa a ser o objeto de estudo de outros. Como ela reagiria a esse primeiro contato?
E vem a noite. Com a pontualidade dos ansiosos estava no local previsto, na hora certa. A ansiedade vai tomando conta. A entrada já é um atrativo. A moça que coleta os ingressos é uma linda africana, ricamente maquiada, a quem ela pede o primeiro registro fotográfico. “Ficou belo”, comenta feliz.
Fotos: Ana Cláudia Lemos
Foto: Ana Cláudia Lemos
O trailer onde ficam os banheiros também já chama a sua atenção. E outra foto é realizada. Na pracinha de alimentação – o algodão doce a transporta para a infância, para os passeios na praia da Caponga com o seu pai. Eles sempre iam ver o pôr-do-sol, em tardes regadas a algodão doce. Aquele foi o gatilho para as boas lembranças infantis. “Voltei à infância. Redescobri uma Talita que pensava não mais existir. Meu lado infantil voltou. Tive vontade de rir, de chorar, subir no picadeiro, me envolver nas brincadeiras. Por um bom tempo, o mundo desapareceu. Só havia eu e os personagens. Eu e aquele momento”.
Ao percorrer o corredor que leva ao picadeiro, com as luzes fortes e com a música tocando alto, são tantos os cliques das máquinas fotográficas dos colegas, dos monitores de fotografia, do público, que a menina perde a noção da quantidade. A partir dali ela apenas expressa os seus sentimentos. Fala tudo o que chega ao seu coração, deixa que o corpo também se manifeste, se joga no espetáculo:
De fato, a menina parecia não se importar com o que estava ao seu redor. A gostosa gargalhada era farta e ocupava lindamente o espaço. O olhar atento registrava tudo. A voz não precisava ser emitida para se comunicar. Pelas suas expressões faciais e gestos era possível saber o que acontecia. O encantamento pela bailarina na dança aérea; a alegria com a doce singeleza do palhaço; o suspense dos malabaristas; o espanto com o equilíbrio dos homens que pareciam pirâmides humanas; a preocupação com os motociclistas no globo – todos os sentimentos eram transmitidos pelos olhares, franzidos de testa e apoio das mãos. Nenhuma palavra era dita; não precisava; não cabia. Decididamente o circo tem uma linguagem própria e universal. E ela compreendia tudo em plenitude.
Foto: Ana Cláudia Lemos
"AMEI TUDO!"
Terminado o espetáculo, percebe-se uma Talita mais leve e, ainda agarrada à pipoca e ao refrigerante, com os olhos brilhando, consegue verbalizar o que muitos já tinham percebido: “AMEI TUDO! Agradeço à professora a escolha da temática e a oportunidade de participar de uma experiência tão significativa. Quero mais momentos assim. Quero poder gargalhar sem vergonha e quero dividir esses momentos. Aqui não havia adulto ou criança; não havia responsável ou irresponsável. Todos estavam aqui para se envolver num mundo fora dos padrões vigentes. Todos estavam aqui para viver a magia do circo”.
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